sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Um pouco sobre a fenomenologia de Husserl


“... aprende-se o que é fenomenologia passo a passo, através da leitura, discussão, e reflexão... O que é necessário é mais simples: aprender o que se deve através de atitudes naturais, tentar descrever as apresentações sem pré-julgar os resultados tomando por garantia a história, a causalidade, intersubjetividade, e valor que ordinariamente associamos com nossa experiência, e examinar com absoluto cuidado a estrutura do mundo da vida diária para que possamos entender sua origem e sua direção... Há um senso legítimo no qual é necessário dizer que se deve ser um fenomenologista para poder compreender a fenomenologia.” (NATASON, 1998)

1. O que é fenomenologia?
A fenomenologia é o método que faz a mediação entre o sujeito e o objeto ou, dizendo de outro modo, entre o eu e a coisa. A partir da perspectiva que se deseja emprestar à realidade, ou à coisa, se podem distinguir três grandes linhas na fenomenologia: a transcendental, husserliana, a existencial, a partir de Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty, e a hermenêutica, cujos representantes maiores seriam Hans George Gadamer e Martin Heidegger. Segundo Husserl (1859 – 1938), fenomenologia é qualificada como “um retorno às coisas mesmas”. Nesse sentido, compreende-se uma conversão do olhar que se lança habitualmente sobre as coisas e que implica não mais falar delas mediante a tela de uma teoria prévia. Doravante, toda doutrina será subordinada à representação de um objeto que somente meu espírito constituirá: não se trata mais de explicar nem de analisar as coisas, mas de descrevê-las. Assim, a fenomenologia é uma descrição da estrutura específica do fenômeno, aparecendo como condição de possibilidade do conhecimento na medida em que a consciência constitui as significações no nível da apreensão empírica ou da constituição transcendental dos objetos.
De fato, a compreensão do projeto fenomenológico husserliano depende de que se compreenda primeiro como o filósofo apresenta a estrutura da consciência enquanto intencionalidade. Este conceito oriundo da filosofia medieval significa dirigir-se para, visar alguma coisa. Alguns estudiosos atribuem a doutrina da intencionalidade à escolástica representado por Guilherme de Ockham, embora Husserl tenha atribuído sua patente a Franz Brentano.

2. A doutrina da intencionalidade: a subjetividade como ponto de partida e o objeto como ponto de chegada
A consciência é intencional significa que “toda consciência é consciência de“. Logo, a consciência não é uma substância (alma), mas uma atividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição, paixão, etc), com as quais visa algo. Assim, a consciência não é mais uma essência ou uma entidade, independente e abstrata, mas é seu próprio “conteúdo” que a funda. Em suas Investigações lógicas, Husserl deixava claro que “na percepção algo é percebido, na imaginação algo é imaginado, na enunciação algo é enunciado, no ódio algo é odiado, no desejo algo é desejado, etc.”. A afirmação de que a consciência não percebe no vazio, mas sempre a partir de alguma coisa corresponde a uma definição mais precisa desta como perspectiva. Perceber é ter uma intenção.
Husserl esforça-se por remontar a um cogito fundador de toda a filosofia e de todo saber. Após ter ido em direção aos fenômenos e ao termo da revelação de uma relação de reciprocidade entre a consciência e o objeto, trata-se de voltar ao sujeito pelo viés dos objetos que lhe são inerentes. Nesse sentido, é preciso colocar o mundo e todos seus correlatos em questão ou como disse Husserl: “pôr o mundo entre parênteses”.

3. Redução fenomenológica – epoquê.
Trata-se de uma operação pela qual a existência efetiva do mundo exterior é posta entre parênteses para que a investigação se ocupe apenas com operações realizadas pela consciência sem que se pergunte se as coisas visadas por ela existem ou não realmente. Em outras palavras, a redução é um conjunto de procedimentos metódicos que objetivam suspender tudo aquilo que está ou é dado. A redução diz Husserl, suspende “a tese natural do mundo”.(do grego thésis: posição, aceitação). A atitude natural é a atitude cotidiana de “tese do mundo”, ou seja, acredita-se espontaneamente que as coisas exteriores existem tais como são vistas; portanto, natural e espontaneamente “põe-se o mundo”. Pela redução, deixamos de dirigir o nosso olhar para os objetos tomados em si mesmos em seu ser inacessível (a mesa, a árvore, a cidade) para dirigir a atenção para os atos da consciência que nos permitem chegar até eles (nossa visão da mesa, nossa lembrança da árvore, nossa imaginação da cidade). A redução fenomenológica é uma conversão do olhar que nos permite chegar ao objeto vivendo-o segundo seu sentido para nós, segundo o valor que lhe atribuímos e sobre o qual não negamos nossa responsabilidade. A redução, articulada à suspensão, é antes um processo de encaminhamento, um método, do que um conceito ou parte de um sistema teórico. É preciso mesmo que se rejeite a imposição de qualquer sistema; tamanha seria a riqueza dos fenômenos que se afiguraria falta de retidão e lealdade anteceder a humilde interrogação dos fenômenos de um sistema que a priori controlasse a interrogação para melhor submeter o objeto da atenção e, portanto, do controle. Nicolai Hartmann chegou a afirmar: “nada pode ser de proveito senão a tendência de abeirar-se dos fenômenos de tão perto quanto possível, para aprender a vê-los na sua multiplicidade e para só depois retornar de novo às questões gerais”. Assim, a redução compreende dois procedimentos: uma redução eidética e uma redução transcendental.

3.1 Eidética – Idéias (eidos)
3.1.1 Noema – Objeto enquanto pensado
3.1.2 Noesis – Objeto enquanto tal: componente real.
Compreende uma técnica de variações livres de notas caracterizadoras dos processos individuais à essência desses mesmos processos – livres dos conceitos. No nível empírico, as noesis são atos psicológicos individuais para conhecer um significado independente. No nível transcendental as noesis são atos do sujeito constituinte que cria as noemas enquanto pura idealidades ou significações. Nessa medida, as noesis empíricas são passivas, pois visam uma significação pré-existente; as noesis transcendentais são ativas porque constituem as próprias significações ideais. Essas distinções permitem a Husserl elaborar a noção de ciência como conexão objetiva e ideal de noesis e noemas puros.

3.2 Transcendental – a existência das coisas é colocada em questão
Põe-se entre parênteses a crença na existência das coisas e na existência do mundo natural e de todos os seus correlatos. Por exemplo, o mundo dos seres matemáticos para alcançar o terreno firme da consciência pura em que o seu correlato que é o mundo se transforma em mero objeto intencional.

4. Como Husserl pensa o objeto?
4.1 Fático – Experiência. – O objeto está no mundo e não requer necessariamente a “força” da consciência para lhe dar sentido. É um puro fato.
4.2 Idéia – Intencionalizado pela consciência que através da linguagem explica ou dar o sentido ao objeto.

Referências Bibliográficas
BELLO, Angela Ales. Introdução à fenomenologia. Trad. Jacinta Turolo Garcia. Bauru: EDUSC, 2004.
DEPRAZ, Natalie. Compreender Husserl. Trad. Fábio dos Santos. Petrópolis: Vozes, 2007
HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Trad. Maria Leonor Loureiro. Bauru: Edusc, 2001.
HUSSERL, Edmund. A Idéia da Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1986.
____. La crisis de las ciências europeas y la fenomenología transcendental. Barcelona, España: Crítica, 1991
MURALT, André de. A metafísica do fenômeno. Trad. Paula Martins. São Paulo: Editora 34, 1998.
NATANSON, Maurice. Phenomenology and the Social Science. Volume 1.São Paulo: Natanson: Phenomenology and the Social Sciences.

Por Carlos Henrique Carvalho

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